O Mal-Estar na Civilização e a Dialética entre Cultura e Psicanálise no Volume 16 de Sigmund Freud

 

Autor: Márcio Gomes da Costa, Psicanalista, Analista do Comportamento Aplicada e Psicopedagogo

Resumo:
O Volume 16 das Obras Completas de Sigmund Freud aborda a relação entre o indivíduo e a cultura, explorando as tensões e os conflitos que surgem na vida psíquica como resultado da civilização. Freud analisa o mal-estar que permeia a existência humana na sociedade moderna, discutindo como a repressão dos instintos e a imposição de normas culturais contribuem para o sofrimento psíquico. Este artigo examina as contribuições desse volume para a teoria psicanalítica e para a compreensão do impacto da cultura na formação da subjetividade.

Palavras-chave: Mal-estar, civilização, cultura, repressão, Freud.


Introdução
No Volume 16, Freud apresenta uma de suas obras mais influentes e amplamente discutidas: O Mal-Estar na Civilização. Neste texto, Freud explora a tensão entre as necessidades instintuais do indivíduo e as exigências da vida em sociedade. Ele argumenta que a civilização, ao impor normas e restrições, inevitavelmente gera insatisfação e sofrimento, criando um mal-estar que é característico da existência humana moderna.

Este artigo analisa as principais contribuições do Volume 16 para a teoria psicanalítica, discutindo como Freud relaciona a repressão dos instintos à formação da cultura e ao desenvolvimento do mal-estar psíquico.


Desenvolvimento

Freud inicia o Volume 16 com uma reflexão sobre o papel da civilização na vida humana. Ele sugere que a civilização, ao desenvolver normas e estruturas que regulam o comportamento, oferece segurança, progresso e organização social. No entanto, essas mesmas estruturas exigem a repressão de muitos impulsos instintuais, particularmente aqueles relacionados à agressão e à sexualidade. Essa repressão, segundo Freud, é a fonte do mal-estar que permeia a existência humana na civilização moderna.

Um dos conceitos centrais abordados neste volume é o de sublimação, que Freud define como o processo pelo qual os impulsos instintuais são redirecionados para atividades socialmente aceitáveis. A sublimação é vista como uma forma pela qual os indivíduos podem encontrar satisfação sem violar as normas culturais. No entanto, Freud observa que a sublimação nem sempre é suficiente para eliminar o mal-estar, e que muitos indivíduos continuam a experimentar uma sensação de insatisfação e frustração, mesmo quando seus impulsos são sublimados.

Freud também discute o conflito entre o princípio do prazer e o princípio da realidade no contexto da civilização. Enquanto o princípio do prazer busca a gratificação imediata dos desejos, o princípio da realidade impõe a necessidade de adiar ou moderar essa gratificação em função das exigências culturais. Freud argumenta que a civilização exige uma renúncia ao prazer em troca da segurança e do bem-estar coletivo, mas essa renúncia gera um mal-estar intrínseco que é difícil de resolver.

Outro tema importante neste volume é a dualidade entre Eros e Thanatos, as pulsões de vida e de morte. Freud sugere que a civilização é construída sobre o conflito entre essas duas forças. Eros, a pulsão de vida, busca unir os indivíduos em comunidades, promover a cooperação e garantir a continuidade da vida. Thanatos, a pulsão de morte, se manifesta na agressão, na violência e na destrutividade, que a civilização tenta controlar e reprimir. O equilíbrio entre essas forças é precário, e o mal-estar surge da dificuldade em reconciliá-las.

Freud explora ainda a ideia de que o superego coletivo, representado pelas normas e valores culturais, exerce uma pressão constante sobre o ego individual, levando à culpa e à ansiedade. O superego cultural impõe padrões morais elevados, que muitas vezes estão em desacordo com os desejos instintuais. A culpa resulta da percepção de que esses padrões não são alcançados, e a ansiedade surge como uma resposta ao conflito entre o desejo e a obrigação moral.

O Volume 16 também inclui uma análise das instituições sociais e sua função na manutenção da civilização. Freud argumenta que as instituições, como a religião, a educação e o governo, desempenham um papel crucial na repressão dos instintos e na promoção da coesão social. No entanto, essas instituições também contribuem para o mal-estar ao reforçar as exigências do superego e ao perpetuar a repressão dos impulsos naturais.

Freud utiliza exemplos históricos e culturais para ilustrar como o mal-estar na civilização se manifesta em diferentes épocas e sociedades. Ele sugere que, embora as formas específicas de mal-estar possam variar, a tensão entre o indivíduo e a cultura é uma constante na história humana. Freud argumenta que a psicanálise oferece uma ferramenta para compreender essa tensão e para explorar as raízes do sofrimento psíquico em um contexto cultural.

Outro ponto central abordado neste volume é a utopia da civilização. Freud questiona se é possível alcançar uma civilização que elimine completamente o mal-estar. Ele é cético quanto à ideia de uma sociedade perfeita, sugerindo que o conflito entre os desejos individuais e as exigências culturais é inerente à condição humana. A busca por uma utopia, segundo Freud, pode ser tão opressiva quanto as estruturas culturais existentes, pois também exigiria a repressão de impulsos naturais.


Conclusão
O Volume 16 das Obras Completas de Sigmund Freud, centrado em "O Mal-Estar na Civilização", é uma obra fundamental para a compreensão da relação entre o indivíduo e a cultura. Freud oferece uma análise profunda das tensões que surgem da repressão dos instintos pela civilização e das consequências psíquicas dessa repressão, incluindo o mal-estar, a culpa e a ansiedade.

Este volume é essencial para profissionais e estudantes de psicanálise que desejam entender a interação entre a psique individual e as estruturas culturais. Ao reler este volume, podemos apreciar as contribuições de Freud para a filosofia, a sociologia e a psicologia, e sua visão crítica da civilização moderna.


Referência
FREUD, Sigmund. Volume 16. Obras Completas.

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